Um pequeno príncipe. Um grande questionamento. Uma lição para a vida.

“O essencial é invisível aos olhos”. A frase mais célebre do livro “O Pequeno Príncipe” é usada até hoje para ressaltar a importância dos sentimentos e do caráter no dia a dia e, como não poderia deixar de ser, tem importância crucial na animação O Pequeno Príncipe. Afinal de contas, a proposta maior deste novo trabalho do diretor Mark Osborne (Kung Fu Panda) não é propriamente reproduzir o livro escrito por Saint-Exupéry, mas sim captar sua essência.


Não pretendo focar meu texto em comentários técnicos sobre o filme, pois há bons exemplos na internet que podem suprir essa curiosidade. Meu papo aqui será outro. Mas preciso iniciar reconhecendo que adaptar uma obra literária para os cinemas é sempre um desafio, porém a tarefa fica ainda mais arriscada quando a obra original é um livro infantil, francês, escrito nos anos 40, que praticamente todo o público adulto já leu ou teve algum contato na infância. É por isso que este “O Pequeno Príncipe” é tão valioso: o diretor não tenta apenas transpor a obra para a tela da forma como a conhecemos, mas cria uma história completamente nova a partir de sua própria experiência com o livro.

“Ganhei meu primeiro exemplar há mais de vinte anos da minha esposa”, conta o diretor. “Na época, éramos namorados e eu estava me mudando para estudar animação, então o livro veio como uma lembrança de que estaríamos juntos, mesmo à distância. Foi essa mensagem que eu quis passar para o filme.”

E foi dosando essa sensibilidade de quem entende o universo infantil e não menospreza seus espectadores mirins que o livro original é recontado e explorado como uma grande metáfora sobre perda, valores e visões de mundo, numa fantasia fascinante que ajuda a pequena protagonista a encarar seus desafios.

Fui assistir ao filme com minha família e confesso que fiquei feliz ao perceber que a amizade, a alegria e aprendizados da infância e – principalmente – os ensinamentos compartilhados entre o adulto e a criança ainda emocionam todas as gerações. Em todo o cinema, outros pais com seus filhos (também) derramavam lágrimas que me dão esperança de haver saída para a vida cinza e planejada que a maioria de nós experimenta, principalmente nos grandes centros urbanos.

Porém, mais do que emocionar, o filme nos obriga a refletir sobre os valores que aprisionam as crianças contemporâneas numa infância igualmente cinza e solitária, com a agenda repleta de atividades supostamente desempenhadas para lhes garantir um bom lugar na Terra – a mesma que estamos destruindo pelos padrões de consumo e produção que adotamos e que teimamos em deixar de reestruturar, pelo nosso bem e pelo bem daqueles que virão de nós.

“Elas (as pessoas grandes) adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, as pessoas grandes jamais se interessam em saber como ele realmente é.“ (…) mas perguntam: Qual é a sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai? Somente assim é que elas julgam conhecê-lo”.

Nos textos que li sobre o filme, antes de ir assisti-lo no cinema, destaco os questionamentos de Adriana Borges em sua precisa crítica: Você costuma conversar e ouvir as crianças? Consegue captar com toda atenção e carinho o que elas observam e dizem? Fazer parte desse novo mundo que as crianças enxergam nos seus primeiros anos de vida é algo mágico e revelador. E este filme “O Pequeno Príncipe” entende isso e torna-se uma história belíssima sobre o nosso tempo, sobre nossa vida e os nossos afetos. Sua mensagem é tão forte e autêntica, que é capaz de acordar corações e mentes de um sono profundo.

É um filme para pais e filhos. Homens e mulheres, que precisam voltar a prestar atenção de que as crianças tem uma visão muito mais real do sentido da vida porque elas ainda não foram plenamente doutrinadas a aprender o modelo que todo adulto precisa saber para se perder da vida. Como, por exemplo, cumprir horários, regras, metas, ganhar dinheiro e ficar rico… ou, em poucas palavras: ter sucesso na vida. Mas qual a medida deste sucesso? E a vida em si? Consegue-se viver de verdade nesse meio tempo de tantos excessos? Pare pra pensar:  você, por exemplo, construiu sua própria história e conseguiu se realizar realmente? Quanto te pagam para você desistir do seu sonho? Qual o tempo, ou a qualidade do tempo que você destina a quem realmente se importa com você?

Corremos muitos riscos aos nos entregarmos obsessivamente a esse mecanismo imposto por marcas, egolatria e negócios. Reclamamos da correria. Usamos ela para justificar ausências. E, nessa correria da vida, sabotamos e nos negamos a viver de verdade a grande aventura de viver. E isso não é romantismo e nem inocência de criança, é a sabedoria que só um velho, o aviador, e as crianças tem. É uma pena que muita gente tenha se esquecido disto. A escolha ainda é nossa!

“Foi o tempo que perdeste com a Rosa que a fez tão importante”.

É preciso desacelerar e desconectar para entrar em contato com a criança que fomos e com as que estão ao nosso lado. Rever nossas urgências e o que é realmente importante para promover uma infância plena. Crianças não são feitas para ser criadas em bolhas. Elas precisam se relacionar, cair para aprender a levantar, perder para aprender a sonhar e elaborar. Precisam de histórias vividas e narradas para se lembrar. Crianças precisam de muito pouco para crescer de forma saudável e se tornar adultos melhores. Precisam de tempo e espaço para brincar e se relacionar entre pares, com adultos e com a natureza. E nós, adultos, temos o dever e a responsabilidade de oferecer a elas o que é realmente essencial – embora invisível aos olhos.
Mesmo para quem não conhece ou não gosta tanto do livro, será difícil passar por “O Pequeno Príncipe” incólume, sem derramar pelo menos uma lágrima ou se atrever a algum desses questionamentos. E olha que o filme dosa pequenos momentos de humor, doçura e drama, sem nunca pesar demais nem ser leve demais.

Confesso que este Pequeno Príncipe me dá esperanças. Pelos adultos que tiveram a coragem de atentar para os temas de sua trama. E pelas crianças que terão seu primeiro contato com a obra pelo cinema, pois creio que o longa deixará uma marca, como o livro deixou aos seus pais e avós. E elas também mostrarão aos seus filhos quando for a hora.

2 Comment

  1. Catherine Beltrão says: Responder

    Lindíssimo!
    Vimos o filme juntos, com esta gostosa família à qual você se refere no início de seu post, e sou bastante suspeita em falar do filme, do livro, enfim. Este texto de Saint-Éxupéry é um dos mais belos escritos de todos os tempos.
    Fico extremamente feliz quando leio um post como este que você escreveu. Na medida que o tempo passa, os corações sensíveis vão rareando, o comprometimento com a ternura vai ficando escasso, já quase não existem mais “Rosas” para se cuidar. E, ao assistir um filme como este, ao ler um post como o seu, percebo que ainda é importante acreditar que existe a tal esperança à que você se refere. E que é imperioso acreditar nisso. E que podemos gostar de números e de poesia ao mesmo tempo, pois tudo tende a se harmonizar dentro de nós: basta saber que “a gente só vê bem com o coração, pois o essencial é invisível para os nossos olhos”…
    Aplausos para você, Eduardo!

    1. Exatamente, Catherine! Muito obrigado! Sua fala é inspiradora! E, em relação aos números e poesia, e mantendo a arte da animação como potencial exemplo, lembro do meu encanto quando assisti ´Donald no país da Matemágica´, onde Walt Disney – com sua peculiar maestria – nos conduz a uma poética mescla de arte, matemática, música e poesia em um curta com 27 minutos de deliciosa fantasia!

      para recordar -> https://www.youtube.com/watch?v=wbftu093Yqk

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